terça-feira, 31 de dezembro de 2013

O tempo cumpre seu papel com todos os homens, por Raphael Juliano.


         Um ano: um frasco de tempo.
       Precisamos disso, todavia não haverá frascos na eternidade (creio), apenas o deleite dos afetos construídos neste tempo. Para os homens de boa vontade desejo continuidades em 2014. Para os de má vontade desejo términos.
     Desejo que os homens de boa vontade continuem nutrindo esperança em dias melhores, que eles possam crer que um gesto simples muda o mundo. Desejo que os estes guardiões do bem possam curtir preguiça antes de se levantarem para mudar o mundo, que eles não planejem muito, mas se surpreendam ao longo do caminho. À estes guerreiros da luz desejo a presença da família como escolha, o afeto de amigos leais e corajosos. Desejo que vocês, companheiros do bem, não estejam além nem aquém, mas no meio onde não há sofrimento. Desejo que o dinheiro seja útil e que vocês o usem. Não deixem o dinheiro usa-los. Desejo que trabalhem o suficiente e que o trabalho não vos escravize nem aliene. Que vocês tenham cama cheia, mesa farta, casa que acolha e companhias como às vossas. Desejo que vocês caminhem devagar em direção ao ponto de ônibus, que visitem menos os shoppings e mais os parques, desejo que bebam vinho. Que vocês possam ler sem compromisso na poltrona até o livro adormecer no colo. Desejo que vocês viajem para o interior de Minas ou para a Europa, mas que viagem!
        Desejo dias leves, sempre leves... e que possamos nos encontrar pela vida.
     Desejo que que os homens de má vontade repensem suas ações, e não voltando atrás, que sejam interrompidos pelas reações delas. Tudo no universo flui, inclusive a maldade. É apenas isso que desejo à eles.

     Abrindo meu novo frasco de tempo não quero ter pressa. O tempo cumpre seu papel com todos os homens... quero apenas equilibrar-me em mim.
     Que o Eterno continue nos guardando!

                                                                                   RJ

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Minas, o futebol tupiniquim e as boas-vindas à FIFA , por Raphael Juliano.



            No último domingo eu não esperava nada diferente. A decisão do campeonato brasileiro em Minas trouxe à tona a minha tristeza e  desesperança. Isso porque lembrei-me de junho, um mês que como já escrevi antes, ficará na memória deste país ou porque resultará em prática política de qualidade ou porque caiu no esquecimento. Sim, é contraditório: ficar na memória por cair no esquecimento - coisa do Brasil - mas o assunto agora é outro.
            Em junho, quase que como um reflexo dos eventos ocorridos em São Paulo, Minas Gerais teve sua dose de movimentos sociais. Inicialmente pacíficos, contudo tomando o mesmo rumo do restante do país: confrontos entre manifestantes e policiais, depredações e uma série de extravazamentos emocionais dos menos cautos. Lembro-me de pessoas pedindo que ao invés de tantos investimentos feitos no Mineirão e em suas imediações que se investissem na saúde pública. Lembro-me das pessoas quebrando a obra do BRT (Bus Rapid Transit) na Avenida Antônio Carlos (arredores do estádio Governador Magalhães Pinto) e bradando que queriam mais quilômetros de  metrô, e mais vagões é claro! Vi naquele junho gente querendo invadir o perímetro FIFA! Santo Deus, que caos foi aquilo, mas eu vibrei. Confesso que não vibro novamente. Depois de ontem, não.
            Não torço para nenhum time. Não tenho paciência para futebol. São noventa minutos! Então não me venha com aquela "ah ele é atleticano". Ontem os mineiros pararam a cidade e se submeteram ao outrora odiado padrão FIFA. Utilizaram as dependências do Mineirão da mesma maneira como estavam dispostas para a Copa das Confederações: tiveram que parar seus carros longe demais do estádio, pagaram valores exorbitantes para assistirem o tal clássico do Cruzeiro contra o Grêmio, usaram os ônibus e os poucos vagões de metrô sem reclamarem e comeram o tradicional feijão tropeiro do Mineirão. Dessa vez foi só isso. Ninguém lemboru do SUS. Apenas fizeram festa fechando o trânsito, tumultuando a praça da Estação e a praça Sete (antigo ponto de encontro para as manifestações de junho) com muita cerveja. Nada diferente do que ocorre em todos os outros estados da nação. Apesar de alguns críticos esportivos torcerem o nariz Minas é filha do futebol brasileiro, ora bolas!
            Costumo dizer que as pessoas esquecidas são pessoas bem resolvidas. Mas não se confundam, meus caros. Essa minha frase se aplica apenas às questões existenciais. Na política isso não se aplica! Eu tenho absoluta certeza de que no ano que vem haverá novos protestos por ocasião da Copa do Mundo. E haverá novos confrontos com as polícias, e haverá novos programas emergenciais tipo "mais alguma coisa". E haverá paz em outubro. Porque em outubro não nos lembraremos mais da Copa e a governabilidade se manterá. É assim que se constrói um país: com esquecimento. Esse é nosso futebol!
            E é por isso que eu digo: seja bem-vinda senhora FIFA, nos esquecemos de você uma vez, podemos esquecer de novo.
                                                                                                                                    RJ

sábado, 5 de outubro de 2013

O tempo, as palavras e o mundo, por Raphael Juliano.




    Depois de ter recebido um telefonema de minha irmã dizendo que meu sobrinho de um ano e dez meses me confundiu com o apresentador de TV Brito Júnior em uma sexta-feira quente de Montes Claros algumas coisas me vieram à mente.
   As palavras teriam o poder de invocar o tempo? Ou seria este último que se auto-outorgaria o direito de nos ofertar o palavrear através do passar dos anos? 
    O pequeno Enzo ainda não fala todas as palavras do vasto mundo adulto, mas ele se comunica melhor que a maioria dos adultos que conheço. As poucas palavras que fala, em metades abreviadas, identificam bem seus afetos e vontades. Sei disso porque ele tem dois tios: eu e meu irmão Sammuel. A mim ele chama de "Tí Rapha" e quando quer se referir ao meu irmão ele diz "Titio". O tempo fez com que o pequeno menino criasse seu modo de sair de si. Crescendo, Enzo percebeu que era preciso externar suas vontades, era preciso dizer o que queria e o que não queria. Coisa de gente! Assim, com seu dialeto próprio, percebo que ele cresce significando-se no tempo-espaço onde vive. E seu mundo vai se formando através das sensações que as palavras o oferecem. Talvez a nossa consciência seja apenas um mecanismos evolutivo e, se assim for, as palavras são a melhor expressão dessa evolução, dessa necessidade de se postar no mundo e adaptar-se a ele.
     As palavras invocam, sim, o tempo. Tempo de brincar, tempo de abrir mão de certezas e até de concordar com o que não se concorda apenas para ver um imbecil qualquer se calar e parar de encher o saco. As palavras invocam um tempos de saudades em sacramentos e ritos cotidianos. Leonardo Boff guarda a última bituca de cigarro que seu pai fumou antes de morrer: palavra sacramentada, palavra que traz a presença do pai dele. Palavra que traz um tempo que se foi, porque sacramentos são isso, palavras que encarnam o que não é mais em objetos, lembranças e penduricalhos.
    Já o tempo, esse deus impiedoso, utiliza da maior beleza da eternidade para nos dizer: "Tempus Fugit". Lembro-me agora do personagem John Keating, vivido por Robin Williams em "Sociedade dos Poetas Mortos". Ele sussurra para seus alunos... Car...pe...Di...em. "Aproveitem a vida garotos!" "Porque o tempo os sacrificará um dia desses." O tempo não sobreviveria sem as palavras. Ele precisa delas para se empoderar. Apesar de as palavras não viverem fora do tempo, elas são mais belas. Vivem para a eternidade. O tempo e a eternidade não são amigos.
    Quando Enzo me confundiu com um apresentador de TV talvez o que estivesse acontecendo ali fosse uma submissão do tempo às palavras. Em algum lugar eterno e não distante ele sabe que tem um tio e, apesar de o tempo estar passando, ele se colocou no mundo como um pequenino saudoso. Estava com saudades das minhas aporrinhações. (risos)
    O tempo é um altar cruel. As palavras são sacerdotisas! E nós? O que somos nesse mundo, nesse universo místico? Talvez pessoas a serem imoladas à eternidade. RJ

domingo, 14 de julho de 2013

Fomos treinados para isso!, por Raphael Juliano.






            Recentemente assisti ao documentário de Tom Shadyac, “I AM”. Confesso que fazia tempo que não via algo que retratava tanto meu pensamento. Depois de um trauma, o diretor famoso redimensiona sua vida e vai em busca de respostas para duas questões básicas:”O que está errado no mundo?” e “Que podemos fazer sobre isso?”
            Em um mundo que nos estimula a consumir e a sermos carreiristas a obra em comento é uma contestação.  
            Não há tempo para sermos felizes em plenitude. Desde que nascemos somos treinados para sermos os melhores e para consumirmos tudo, inclusive relações humanas. Em todas as instituições percebo as pessoas sendo estimuladas ao carreirismo. Na igreja os seminaristas querem ser bispos, nos quartéis os soldados querem ser coronéis, na iniciativa privada o estoquista quer ser gerente geral e na universidade o graduado quer ser doutor.
            O consumo é tão facilitado que podemos fazer sexo e dividir no cartão de crédito em dez vezes. Somos estimulados a consumir tudo. O advento da internet, e as redes sociais, nos bombardeiam com uma gama tão intensa de informações que se não consumirmos nos sentimos mal. Somos obrigados a consumir inclusive informação. Parece que a vida depende daquilo que compramos. Parece que a vida depende do cargo que galgamos na nossa empresa. Felicidade é isso: consumir e competir.
            Digo para você, meu caro. Discordo. Felicidade é bem mais do que ter uma relação com a propriedade privada. Felicidade é bem mais do que estar no topo. Felicidade é ter um caso de amor com a vida e com as pessoas. Felicidade é integrar o erro ao ser e se redescobrir enquanto ser humano. Claro que essa é uma história individual. Cada um tem que fazer sua estrada. A questão é: e quando completarmos sessenta anos? E setenta? Ainda haverá o sonho do melhor carro e do melhor cargo? Se não redescobrirmos em nós a beleza da vida, da simplicidade de ser, das prosas de varanda, de um livro ou filme, estamos fadados a um fim solitário e triste. Isso porque as coisas e a competição por elas não podem substituir a essência do homem. Essa falsa ideia é perigosa porque não há recursos para comprar tudo. Não espaço no topo para todos. E na medida em que internalizamos a lógica da competição e do consumismo corremos o risco de nos frustrar.
            Tenho redescoberto a beleza do ócio, da rotina, da lentidão. Tenho redescoberto a beleza de um bom café com amigos queridos. Tenho encontrado algumas pessoas com os mesmos propósitos. Poucas pessoas, mas pessoas que quero manter por perto, pois ao chegar aos sessenta ou setenta desejo aproveitar dessas belezas que redescobri.
            Fui treinado para ser carreirista. Fui treinado para comprar. Sou um péssimo aluno. Não aprendi bem, não entendi a lição.

                                                                                                RJ
     

domingo, 26 de maio de 2013

Submeter tudo que nos desumaniza, por Raphael Juliano.


Confesso que faz algum tempo que estou pensando em algumas coisas que tem me incomodado: tecnologia, escassez de tempo e consumismo.
                A revolução virtual tem me ceifado algumas coisas boas como ler em papel e simplesmente bater papo com alguém de carne e osso. Não quero ser hipócrita e dizer que vou abolir a web da minha vida, ou mesmo jogar meu celular no lixo. Na verdade minha intenção é usar a internet como plataforma para obter algumas informações, trabalho e contato impessoal com pessoas que estão fora de minha intimidade diária. Outro dia mandei a operadora retirar a internet do meu plano de celular. Não quero ficar refém da virtualidade! Não quero postar o lugar onde estou almoçando ou em qual cinema vou, afinal ainda amo essa coisa de anonimato. Definitivamente não quero concretizar, se é possível, a obra de Orwell, “1984”, onde não há privacidade, onde a sociedade vive sobre a força coercitiva e vigilante de uma entidade estatal que a todos vigia.
                Ontem estava na academia e enquanto corria na esteira pensava nas três outras coisas que deveria fazer após sair da ginástica. Meu Deus, que loucura: fazer mercado, lavar roupa, limpar a casa e fazer comida. Tudo isso para uma tarde de sábado. Não posso! Não aguento! Quero curtir minha preguiça, meu sofá e um tabaco bom! Se não der para fazer tudo: limpar, lavar, trabalhar, namorar, escrever, assistir filme, encontrar com os amigos, viajar, passar roupa, cuidar do carro, pagar as contas, dormir, fazer a barba, escutar música, academia, dar aula, fazer comida.... Juro que escolho o que me for mais leve. Se não der tempo, não deu. Fica para amanhã ou depois. Aquele ditado “não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje”....que vá ao inferno. Vai ficar prá amanhã! Meu hoje é para mim! E nele sempre estão as pessoas e as coisas que me fazem bem.
                Quando entro nessas catedrais de consumo, os shoppings, confesso que fico meio deslocado. Primeiro porque detesto comer naquelas praças de alimentação onde reina o “food”. Não é apenas comida rápida. É tudo muito rápido. Gosto de me demorar em uma mesa. Aprendi com o cristianismo que a mesa é o lugar do encontro e da partilha. Essas praças de alimentação entram na dinâmica do consumismo. Você tem que comer, beber e sair até às 23 horas porque senão só poderá pegar seu carro no outro dia. Quem quer se encontrar em um shopping pelo amor de Deus? Com hora marcada prá tudo? O consumo se reinifica como sinhô e coloca o tempo como seu capitão do mato que nos chicoteia a todo o momento! Que bela dupla!
                Fora a praça de alimentação existe aquele apelo desgraçado para as compras:
                 “O que você precisa para ser feliz hoje, senhor?”
            “Um perfume? Celular de três mil reais? Quem sabe um sexo fácil? Vai uma trepadinha por cinquenta reais?”
                É insuportável pensar que estamos coisificando nossa felicidade, nosso amor... nossas relações. Hoje tudo pode ser consumido! E o pior talvez nem seja essa oferta de todas as coisas. Talvez o pior seja nos enveredarmos pela triste ilusão de que seremos mais gente quando comprarmos isso ou aquilo. O que se dá é o contrário.
                Não se iludam! Eu uso a internet, não tenho todo tempo do mundo e compro. Todavia tomei uma decisão séria, e Deus me ajude, que seja perene: Usarei a tecnologia, o tempo e o dinheiro em meu favor, afinal o que são eles? Meio? Referência? Papel?
                                                                                                                                                                                                                                        RJ
Belo Horizonte, 26 de maio de 2013.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A renúncia de Ratzinger, por Raphael Juliano




                Mais uma vez vejo um fato histórico que trará consequências inimagináveis para o mundo. Outro dia escrevia que vi a internet nascer e transformar o modo como os seres humanos interagem, seja no trabalho, na família, no anonimato.
                Pois bem, o outro fato é a renúncia de Ratzinger à cadeira de Pedro. Um evento com precedentes históricos que remontam seis séculos atrás, com a renúncia de Gregório XII nos idos de 1400. Confesso que não esperava por isso. Talvez se tivesse acontecido no pontificado de Karol Wojtyla eu não teria sido pego de surpresa. Digo isso porque esperava tudo de João Paulo II. Em toda sua humanidade eu esperava fraqueza, doçura, revisão de posturas, qualidades próprias dos homens de boa fé. De Bento XVI confesso que, em meus prejulgamentos, esperava cada vez mais endurecimento, conservadorismo e nunca revisões. Rever posturas é atitude de gente nobre.
                Creio que não é um momento de crise para a Santa Sé. Creio que será momento de amadurecimento. Momento para repensarem um novo cristianismo. Um cristianismo menos perverso, que vá na contra mão desse evangelicismo protestante desumano e cheio de passes de mágica e palavras de poder e ódio. Se os cristão quiserem manter ilesa a memória do inspirador do cristianismo (Jesus), talvez seja o momento de retomar o caminho feito a sete anos atrás, antes de Wojtyla partir. Talvez seja necessário “regredirmos” à primitividade da doçura do evangelho pregada por outros Joões: o evangelista e o João XXIII.
                Percebo no gesto de Bento XVI humanidade e sabedoria, talvez características que não estivessem presentes em seu pontificado, mas que sinalizaram seu final. A comunidade cristã internacional precisa de novos ventos. Que novos ventos venham, que novas pessoas venham, que caiam os Bentos conservadores e cresçam os Bentos doces e deveras humanos... tão humanos que quando precisarem não temam dizer: “Não dou mais conta!”

p.s. Não creio nas instituições religiosas como aquelas que re-ligam o sacro ao humano, mas não posso negar que tenho um carinho especial pelo catolicismo romano (foi lá que conheci pessoas boas de Deus...grandes amigos).
Raphael Juliano