Depois de ter recebido um telefonema de
minha irmã dizendo que meu sobrinho de um ano e dez meses me confundiu com o
apresentador de TV Brito Júnior em uma sexta-feira quente de Montes Claros
algumas coisas me vieram à mente.
As palavras
teriam o poder de invocar o tempo? Ou seria este último que se auto-outorgaria
o direito de nos ofertar o palavrear através do passar dos anos?
O pequeno Enzo
ainda não fala todas as palavras do vasto mundo adulto, mas ele se comunica
melhor que a maioria dos adultos que conheço. As poucas palavras que fala, em
metades abreviadas, identificam bem seus afetos e vontades. Sei disso porque
ele tem dois tios: eu e meu irmão Sammuel. A mim ele chama de "Tí
Rapha" e quando quer se referir ao meu irmão ele diz "Titio". O
tempo fez com que o pequeno menino criasse seu modo de sair de si. Crescendo,
Enzo percebeu que era preciso externar suas vontades, era preciso dizer o que
queria e o que não queria. Coisa de gente! Assim, com seu dialeto próprio,
percebo que ele cresce significando-se no tempo-espaço onde vive. E seu mundo
vai se formando através das sensações que as palavras o oferecem. Talvez a
nossa consciência seja apenas um mecanismos evolutivo e, se assim for, as
palavras são a melhor expressão dessa evolução, dessa necessidade de se postar
no mundo e adaptar-se a ele.
As palavras
invocam, sim, o tempo. Tempo de brincar, tempo de abrir mão de certezas e até
de concordar com o que não se concorda apenas para ver um imbecil qualquer se
calar e parar de encher o saco. As palavras invocam um tempos de saudades em
sacramentos e ritos cotidianos. Leonardo Boff guarda a última bituca de cigarro
que seu pai fumou antes de morrer: palavra sacramentada, palavra que traz a
presença do pai dele. Palavra que traz um tempo que se foi, porque sacramentos
são isso, palavras que encarnam o que não é mais em objetos, lembranças e
penduricalhos.
Já o tempo, esse
deus impiedoso, utiliza da maior beleza da eternidade para nos dizer:
"Tempus Fugit". Lembro-me agora do personagem John Keating, vivido por Robin Williams em
"Sociedade dos Poetas Mortos". Ele sussurra para seus
alunos... Car...pe...Di...em. "Aproveitem a vida garotos!"
"Porque o tempo os sacrificará um dia desses." O tempo não sobreviveria
sem as palavras. Ele precisa delas para se empoderar. Apesar de as palavras não
viverem fora do tempo, elas são mais belas. Vivem para a eternidade.
O tempo e a eternidade não são amigos.
Quando Enzo me confundiu com um apresentador de TV talvez o que estivesse
acontecendo ali fosse uma submissão do tempo às palavras. Em algum lugar eterno
e não distante ele sabe que tem um tio e, apesar de o tempo estar passando, ele
se colocou no mundo como um pequenino saudoso. Estava com saudades das
minhas aporrinhações. (risos)
O tempo é um altar cruel. As palavras são sacerdotisas! E nós? O que somos
nesse mundo, nesse universo místico? Talvez pessoas a serem imoladas à
eternidade. RJ