quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

O ciclo 2014 chega ao seu fim



Já escrevi que sempre estamos tentando submeter o tempo. É a nossa necessidade de imortalização. Isso pode ser bom e pode ser ruim. Quando tentamos submeter o tempo para termos referência do passado e do futuro, considero que seja bom. Mas quando tentamos submetê-lo com essa ideação de nos eternizar, penso que podemos sofrer muito. A eternidade é apenas uma conjectura na qual queremos acreditar.

Nesse afã passam-se doze meses. E o que fica? O que vai? Gosto da perspectiva de tentarmos submeter o tempo fechando ciclos. É preciso termos a consciência de que ciclos devem ser fechados e outros iniciados.

Nos doze meses que se passaram, fiz escolhas e, atreladas a elas, dei fim a inúmeras possibilidades, mas também me abri para a vida abraçando o porvir. Deixei pessoas para trás de maneira sóbria, reencontrei outras e recomeçamos. Conheci novas pessoas que parecem ser incríveis. Decidi minhas posições no trabalho, publiquei meu primeiro livro, escolhi novamente a cidade na qual quero viver por mais um tempo, deixei a barba crescer, sabendo que teria que raspá-la novamente. Beijei, arrisquei-me. Tentei ajudar quem queria ajuda e não ajudei aqueles que preferem seguir sozinhos. Reafirmei meu amor à família e aos amigos e minha cautela para com as instituições. Comecei a ler Kerouac, dei um tempo em Dostoiewski, chorei por Rubem Alves e me apaixonei de vez pelo velho Bukowski. Decidi não trocar de carro tão cedo e comprar mais chapéus e camisas de poá. Escolhi continuar amando as reticências e evitando as vírgulas. Na minha caminhada, tive que ressignificar muita coisa para sobreviver. 

É isto: vamos fechar ciclos. Alguns dizem que começamos tudo igual. Que os projetos são os mesmos. Coitados. Estão deixando esta beleza que é a vida passar! Faça um novo projeto! Inicie um novo ciclo! Aprenda uma nova língua. Apaixone-se novamente. Aprenda a cozinhar! Corra! Corra mais cinco quilômetros. Faça Pilates. Mova-se, porque o universo pode conspirar por você a qualquer momento!

Desejo um bom término e um bom começo!


quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Quem é que vai limpar nossa privada?

Folheando as páginas da internet no dia dois deste mês li uma matéria no jornal Estado de Minas na qual dizia que o Papa e outros líderes religiosos assinaram um acordo pela erradicação da escravidão até 2020. Quando li a manchete confesso que fiquei pensativo. Lembrei-me do processo, gradual, de abolição do trabalho escravo que se iniciou no Brasil em 1850. É, não acabou. Nem aqui nem lá fora. Ainda exploramos o outro. Ainda queremos ganhar dinheiro sobre o trabalho alheio, com o menor esforço possível.

Quando o Brasil regulou a atividade de empregada doméstica, li enxurradas de mensagens, impregnadas pelo senso comum, de que seria impossível manter uma "secretária" (que eufemismo estúpido), pagando salário mínimo e benefícios. Na verdade, elas sempre deveriam ter sido tratadas como qualquer trabalhador, mas nós, em nome do papel ao qual chamamos de dinheiro, deliberadamente escolhemos explorá-las. Sim, a escravidão está em nossos quintais, nos nossos sítios, nas nossas lanchonetes, no restaurante onde almoçamos, nos supermercados onde compramos. Basta parar um minuto e perceber ao redor. A todo momento tentamos explorar o outro. A todo momento tentamos lucrar. Ou você acha que trabalhar aos domingos e feriados, de 10 as 22 horas, com folga apenas na segunda-feira, para ganhar oitocentos reais por mês não é trabalho escravo? Não. Não é mentira. Convivo com pessoas que são exploradas assim. E constantemente elas se perguntam se é melhor ganhar isso sendo exploradas aqui (em sua terra natal) ou ganhar um pouco mais em libras e serem exploradas em Londres, trabalhando vinte horas por dia (e por noite).

Francisco está certo. Temos que continuar o processo de abolição do trabalho escravo. Contudo o prazo está apertado - eita Papa apressado. O ano praticamente acabou e, pelas contas dele, temos cinco anos de luta pela frente. Admiro o otimismo de Bergoglio. Mas talvez nunca erradiquemos o trabalho forçado e o tráfico de pessoas para tal. A nossa lógica é outra! Afinal, quem é que vai limpar nossa privada?