Hoje
é uma sexta de noite chuvosa em Belo Horizonte, final de novembro, dia vinte e
oito, e a chuva parece enfim querer chegar. Para mim, ela
anuncia possibilidade de renovação, possibilidade de que não aconteça
racionamento de água. Mas anuncia também a pressa da memória das pessoas, a
pressa da existência consumida.
Quando
saí do trabalho saquei meu pequeno guarda-chuva da mochila, ciente de que iria me molhar. Vi tanta
gente correndo pela rua! Claro, é um desejo legítimo: não se molhar. Então me lembrei
de uma conversa que tive há dias com um amigo sobre como seria bom tomar um
banho de chuva nesses tempos de seca. Lembrei-me das pessoas reclamando do
calor e do preço do limão (a caixa subiu 43%). Continuei meus passos lentos em
direção ao metrô. Eu era empurrado e olhado com estranheza por causa da minha
lentidão. Os pés já estavam molhados, então não pulei a poça de água. Já no
vagão consegui um lugar para sentar e, quando tirei meu Júlio Verne para
continuar a leitura, percebi que não podia ler, porque tinha uma goteira bem em cima de mim, fechei-o e esperei por meu
destino. Desembarquei entre mais correria, com água molhando meus
pés.
Compreendo que molhar as meias é
horrível. Todavia, às vezes, pode ser um evento profético. Pode significar que teremos terra boa e fartura,
mas hoje, não sei o porquê, ninguém se lembrou do calor e da escassez. Como
nossa memória tem pressa, muitos de nós se esqueceram do problema anterior, e a
chuva se tornou o maior problema do dia. Hoje eu decidi continuar andando
devagar e molhar os pés. Desejo um bom Black Friday para os
que se esqueceram do calor e do preço do limão.
P.s.: e a principal nascente do rio São Francisco voltou a jorrar.
P.s.: e a principal nascente do rio São Francisco voltou a jorrar.