*Imagem da morte jogando xadrez com o cavaleiro, do filme 'O Sétimo Selo'.
A
morte de Brittany Maynard foi linda como sua vida. Em sua cama, rodeada por aqueles que ela amava e com a música que ela escolheu. Antes
que o câncer cerebral atingisse um estágio no qual a paciente não teria mais
autonomia e sua sobrevida fosse garantida pelos médicos e parentes, a moça
realizou um suicídio assistido.
Escrevi
outro dia sobre o direito ao parto (normal ou cesariana), e a atitude dessa jovem me fez pensar sobre o nosso direito a uma morte digna. Temos dificuldade para falar sobre isso por causa da nossa raiz judaico-cristã. Mas além da mitologia da religião, que tenta eternizar nossa existência, a medicina e sua ética, afetada pela
mesma matriz, tentam prolongar a todo custo a vida dos doentes terminais. Recentemente vi um garoto de pouco mais de vinte anos, que
lutava contra um câncer, ficar em carne viva em cima de uma cama, recebendo cuidados paliativos, porque não nos permitimos discutir tais
questões. Ele estava entubado, inconsciente e sequer podia receber os carinhos
da mãe, porque ao menor toque, a pele se desmanchava. Não estamos falando aqui de pessoas que têm
possibilidades de terapia. Estamos falando do fim das possibilidades e, nessa perspectiva, existe um pudor funcional em todos nós:
temos dificuldade em falar da finitude.
O
Conselho Federal de Medicina, em 2012, publicou uma resolução chamada de Diretiva Antecipada
de Vontade. O objetivo é de que o paciente registre seus valores e princípios e, de maneira clara, especifique os procedimentos aos quais
aceita ser submetido. O documento precisa ser registrado em cartório, e seu declarante tem que ter um procurador. Contudo ainda existe um longo
caminho a ser trilhado em todo o mundo acerca do assunto. A própria Brittany
teve que se mudar da Califórnia para o Estado de Oregon para se beneficiar da
lei do suicídio assistido. Ela, que antes de morrer, esteve
no Vietnã, em Camboja, em Laos, na Cingapura e na Tailândia. Que trabalhou um verão na Costa Rica e que viajou para a Tanzânia, para escalar o Kilimanjaro. Ela que fez aulas de
escalada no Equador e mergulhou em Galápagos, em Zanzibar, nas Ilhas Cayman e basicamente em toda ilha que visitou, não pode morrer na terra onde nasceu, porque não nos permitimos falar sobre a
eutanásia.
Quando
as pessoas quiserem falar sobre o assunto, farei coro com aqueles que pedirão:
deixem-nos morrer!
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