No último sábado tentei assistir “Django
Livre”, porém só consegui ingressos para quarta-feira dia vinte e três.
Confesso que estava ansioso para rever Tarantino por detrás das câmeras.
Ultimamente tenho revisitado seu “Cães de Aluguel” para matar a saudade.
O filme começa com um Django
submisso e acorrentado, completamente fora de si (não no sentido de insano, mas
de senhorio) para mostrar o amadurecimento daquele que se tornaria nas palavras
do Dr. Schultz (Christolph Waltz) “o gatilho mais rápido do Sul”. Jamie Foxx se
investe de uma pseudo pureza estranha no início da película e é levado pelo Dr.
King Schultz a “sujar as mãos” naquele cenário de escravidão western. A
percepção que se tem é a de que Django se liberta da hipocrisia silenciosa em
uma América escravista e dá vazão a toda sua violência interesseira. Isso fica
bem explícito quando em uma cena onde um escravo é comido por cães (algo
especialmente tarantiniano) e o Dr. Schultz tenta salvá-lo, Django (Jamie Foxx)
não demonstra sentimentos de compaixão e ao ser interrogado pelo personagem de
DiCaprio sobre sua indiferença responde: “Estou um pouco mais habituado a
América do que o Dr. King”. Talvez Django seja o representante mais farto de
todo um passado sombrio e repugnante da América. Isso porque não existem
mocinhos e vilões no filme. E Django definitivamente não é um mocinho!
Na verdade foi Christolph Waltz quem
mais me impressionou na trama. Apesar das excelentes encarnações de Samuel L.
Jackson, Leonardo DiCaprio e Foxx, Waltz conseguiu dar um tom elegantemente
trágico à trajetória do Dr. King. Talvez ele seja a voz mais sóbria da
película: um caçador de recompensas que vende os corpos de homens maus.
Tarantino consegue de maneira extravagantemente pop demonstrar, através do Dr.
King, que a existência é apenas uma questão de circunstâncias. Como todos seus
filmes estão entrelaçados como uma espécie de massa compacta é impossível não
recorrer a “Bastardos Inglórios” e lembrar que Waltz era um oficial do exército
alemão que caçava judeus e agora é um sulista partidário da abolição da
escravatura. Talvez seja demais pensar que Quentin Tarantino orquestrou essa
ideia. Talvez seja demais pensar que ele só queria homenagear seus filmes
prediletos do gênero western spaghetti (bang bang à italiana), mas nada é
demais em se tratando de Tarantino: os excessos, as legendas inopinadas, o
emendar de um assobio de western com um batidão de hip hop, uma piadinha após
os créditos, a vilania pueril e sádica representada por DiCaprio (Candie)...
“Django Livre” está plenamente recheado de elementos da filmografia do seu
diretor.
Falando em elemento de direção, vi
um Tarantino ainda mais maduro com recortes de cenas epifânicas e construção de
personagens extremamente ambíguos, que se demonstram ao longo do filme como
verdadeiros seres decadentes em suas escolhas e caminhos. A crítica social em “Django
Livre” é bem sutil. Tarantino não se preocupa com isso de maneira explícita.
Como grande diretor pop ele nunca quis ser a voz de qualquer consciência
coletiva. Ele apenas aponta brevemente sobre a efemeridade das circunstâncias
humanas e sobre uma América podre que utilizava os negros para toda sorte de
obtenção de lucros: lutas, trabalho, favores sexuais...
A violência é um ícone à parte.
Muito sangue (quase trash - não me crucifiquem) insultando qualquer um que não
esteja acostumado ao tipo do cineasta. Existe sangue até nas legendas dos
créditos finais. Claro, um elogio do diretor à violência seja ela vinda de onde
quer que seja: gratuita ou justificada... é sempre violência!
Tarantino nos dá a cara como ator em
uma ponta de uma cena literalmente explosiva (risos). É melhor que ele continue
atrás das câmeras porque é um péssimo ator.
Alguns estão criticando os
personagens femininos fracos e cartunescos de “Django Livre”, mas a proposta
não seria exatamente essa? Uma donzela nigger
para ser salva por um Django nigger?
Concordo que a irmã de Candie é apenas uma sombra no longa para demonstrar a
habitação na casa grande por alguém consanguíneo do clã da vilania. Não
justificaria o negro Stephen (Jackson) viver ali sozinho. Ele precisava ser
serviçal de alguém! E aí entra a Srta. Candie.
Li alguma coisa a respeito do filme em
um blog que dizia que o forte de Tarantino não são os diálogos, e sim a
violência. Discordo! Todas as cenas tarantinescas são precedidas de longos
diálogos onde prevalecem sarcasmo, elegância e, sobretudo revelação: a
revelação do porvir. Mas isso é só para os mais atentos. Digo isso porque
pressenti a morte de vários personagens do filme depois da fala de um deles: “Eu
não pude resistir”. Eu estava muito atento nas três horas de filme!!
Sei que sou suspeito para escrever
sobre Tarantino, mas qualquer excesso é coisa de um mero admirador.
Raphael Juiano 27/01/13
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