sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O Rio São Francisco tornou-se descartável






 A principal nascente do Rio São Francisco em São Roque de Minas, na Serra da Canastra, está praticamente seca. Um dos mais importantes rios do Brasil, com 2.700 quilômetros de extensão, dá mais um sinal de alerta à humanidade.

A história tem mostrado que uma de nossas características mais evidentes é não saber conviver com o planeta. O afã desenvolvimentista e consumista do ser humano tem impactado o ambiente que nos abriga. Outrora consumido em guerras, ainda presentes, todavia redimensionadas, a Terra hoje sucumbi sob a égide de uma lógica perversa: a descartabilidade.

Na direção contrária à permacultura, sustentabilidade social e economicamente justa, os assentamentos humanos internalizaram uma relação fast food com o espaço no qual vivem. Sim, parece que não há tempo. A pressa impera. Temos que explorar o planeta até a escassez dos recursos que não se renovam. E tudo isso em nome de uma fictícia qualidade de vida. Não andamos mais a pé. Não subimos escadas. Esquecemos nossas bicicletas nos porões. Gastamos mais água para produzir uma garrafa de plástico de 500 ml, do que a própria quantidade de água contida ali. Não há lixeiras a cada quarteirão e isso nos dá o falso direito de jogarmos o papel de bala no chão. Temos três carros na garagem da mesma casa e a cada amanhecer cada um pega o seu veículo para um destino, que tantas vezes é na mesma direção. Compramos um par de calçados a cada mês como se fôssemos centopeias. E tudo isso sem percebermos que estamos levando nosso habitat ao limite. A Terra é um sistema fechado e todas as transformações naturais que presenciamos não são normais porque ela não troca matérias com o universo.

Não se trata aqui de ser um 'eco chato', mas sim de observar que existe uma relação desigual. E nas relações desiguais há duas tendências básicas: ou o que é mais exigido expurga o outro quando não dá conta, ou o que mais exige sucumbe quando não é satisfeito. Nesse contexto, qualquer um dos caminhos é perigoso.

Descartamos as estações do ano, descartamos a camada de ozônio, descartamos a mobilidade e agora descartamos o Velho Chico. Achamos que podemos descartar a 'mãe natureza', mas estamos enganados. Há tempos ela nos percebe como à um corpo estranho, e lentamente vai corrigindo seu erro. Vai nos expurgando.

Se eu fosse a Terra não seria tão piedosa, corrigiria tudo antes que descartemos de vez a foz do São Francisco em seu belo encontro com o mar.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Esse mundo não me alegra

           

 "Esse mundo não me alegra." Foram as palavras de um amigo ontem. Ele tem seus motivos, mas e nós temos os nossos? Então vou mencionar dois motivos pelos quais esse mundo não me alegra.

Na última quinta-feira Patrícia Moreira, de vinte e três anos, gritava em alto e bom som durante a derrota do Grêmio para o Santos: "macaco". Ela referia-se ao goleiro Aranha, do time perdedor.
Ontem um garoto de doze anos foi barrado pela diretora da escola Municipal onde estuda, no Rio de Janeiro, por ter aderido ao Candomblé. O menino usava guias, contas coloridas usadas no pescoço que distinguem a qual orixá pertence cada indivíduo adepto da religião.
            
Dois motivos fortes para não me alegrar com esse mundo. Aqui as pessoas parecem não ter o direito de ser aquilo que são ou aquilo que escolheram ser. Todavia o que mais me assusta é o fato dessa segregação, que parte de uma ideia padrão, muitas vezes se originar no espaço do lúdico, sobretudo do lúdico que vendemos, o futebol, bem como no ambiente público, do Estado.
           
 Sim, Patrícia, é humilhante chamar um negro de macaco tanto quanto seria chamar uma branca como você de vaca. Percebe?
            
Sim, senhora Diretora da Escola Municipal Francisco Campos, é uma aberração proibir um aluno de entrar no educandário por causa da sua religião, tanto quanto seria não pensar em uma política salarial justa para sua categoria. Percebe?
           
 Questões como o racismo ou a fragilidade da laicidade do Estado já deveriam ser pautas superadas. Procuro argumentos em favor das duas mulheres e não encontro. O anonimato do estádio de futebol? A historicidade de nossa cultura judaico-cristã? Não. Não é aceitável. E o pior de tudo é ter a plena consciência que existem muitas Patrícias. É saber que o crucifixo aparece ostensivo na entrada principal de muitos espaços públicos, apartando do direito quem precisa dele. Tempos difíceis!
            
Esperança? Se tenho esperança? Duas coisas me fazem querer ter esperança. São resoluções pessoais. A primeira é não torcer para time de futebol e a outra é não votar em candidatos religiosos. Então o que tenho para hoje, como diria o saudoso Rubem Alves, "é a possibilidade da esperança."