segunda-feira, 13 de julho de 2015

A velhice liberta




Do auge dos seus noventa e seis anos ela exclama: "Santa vagabunda! Coloquei cinquenta reais no cofrinho da igreja dela e minhas vistas não melhoraram." Referia-se à Santa Luzia.

"Parabéns vovó! Muitos anos de vida. Trouxe esse presentinho para a senhora." Ela afasta a neta porque não gosta de muito abraço e abre o presente. "Minha filha, eu sei que eu tenho noventa anos, não vou vestir nenhuma minissaia, mas isso daqui... isso daqui é um mosquiteiro. Não vou vestir isso não. Que marmotinha!"

"E então pai? Saudades da mãe? Já faz trinta anos que ela morreu." "Que isso filha. Tenho saudades de sua mãe não, afinal de contas eu não casei eu caguei."

É assim que acontece: a velhice não tem compromisso com meias verdades.

O velho se veste como quer, acorda na hora que o corpo pede, vai apenas nos aniversários de quem gosta, viaja quando dá na telha. O velho não recebe qualquer um em sua casa, não faz convites por educação, ele não finge afetos. É assim: sem pudor.

A velhice nos liberta para sermos quem quisermos ser. Não, nem sempre é tarde demais! Conheço velhos de trinta e quatro anos. Conheço velhos de trinta e nove anos. São poucos, é verdade, mas eu garanto: são pessoas de carne e osso.  São pessoas que não têm compromisso com meias verdades. Foram libertas por uma velhice oportuna que habita em suas almas. 

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Rasurando a adolescência


É típico do homem escrever esquemas, fazer roteiros, bolar fórmulas. Queremos estar no controle e essa necessidade é legítima. Só que às vezes descobrimos muito tarde que algumas coisas não são controláveis, no máximo influenciáveis. E a possibilidade de influenciarmos as circunstâncias de maneira negativa é muito alta.   O fato de vivermos em uma sociedade que exige rapidez nas decisões nos força a decidirmos quem queremos ser antes da vida adulta. Conheço pessoas que se deram mal. Conheço pessoas que estão felizes. E não falo aqui só do ponto de vista financeiro-profissional. Falo também dos afetos, das relações que são estabelecidas ao longo do caminho. Algumas se dão mal nas duas coisas. Outras conseguem sucesso, mas estão sozinhas, abandonadas. E existe a experiência de estar bem acompanhado e viver perrengues financeiros que fazem o diabo encarnar. Tudo isso foge à nossas fórmulas. Normalmente planejamos uma profissão que nos realize, um amor hollywoodiano, bons amigos e o lugar certo.
           
Sinto dizer, mas não existe uma profissão que nos realize. Nós somos feitos de realizações profissionais. Então vale a pena chutar o balde, mudar de setor na empresa, pedir demissão, iniciar um novo curso.
           
Sinto novamente em dizer, não existe amor hollywoodiano algum. Existe o amor não adjetivado. Aquele que temos que reinventar todos os dias. Amores adjetivados estão fadados ao fim.
           
Bons amigos não existem. Eles sempre estarão aquém de nossas perspectivas e se você não descobrir isso rápido, vai ficar sozinho. Amigos precisam ser leais e corajosos. Isso basta.
           
O lugar certo? Nós somos do universo. O fóssil mais antigo do gênero Homo tem 2,8 milhões de anos! Pelo amor de Deus! Temos milhas aéreas. Não existe lugar certo.
           
É difícil chegar na vida adulta e perceber que tudo aquilo que nos fizeram planejar na adolescência precisa ser rasurado e reescrito. Mas é isso. Pegue seu corretivo e escreva de novo, só que dessa vez com um lápis.
           
E não se entristeça. Afinal de contas quem não sente saudades do ideal? Quem não sente saudades dos projetos feitos na adolescência?



terça-feira, 30 de junho de 2015

Wathsapp, um lindinho que apareceu em minha vida



Há um ano e meio eu me comunicava via SMS. Hoje esse tipo de comunicação se tornou obsoleta. E-mail? Só o do trabalho, o pessoal eu uso para me comunicar com a editora, com livrarias e para receber ofertas de produtos em promoção.

Eu me lembro de quando os vanguardistas de meu grupo apareceram de celulares com android. Foi a deixa para o poderoso wathsapp entrar em nossas vidas. Eu relutei. Meus amigos designers diziam: "O layout do wathsapp é perfeito!" Meus amigos pedagogos diziam: "Isso é chato. Não nos deixa conversar." Dezoito meses depois e todos tínhamos aderido ao bendito aplicativo. Marcamos nossos churrascos, combinamos as viagens, confabulamos os encontros de fim de semana, programamos uma visita ao amigo que adoeceu, mobilizamos um grupo para ajudar alguém que precisa... fazemos tudo com os dedinhos. Claro, existem os que gostam de gravar áudios, mas esses são minoria.

O wathsapp veio como um messias. Dividiu em dois momentos a história da telecomunicação moderna. O primeiro, onde pagávamos caro para nos falarmos, desse onde materializamos uma imagem pela cam e nos fazemos presentes, e isso por um valor muito pequeno. Sei que muita coisa está acontecendo nas oficinas dos Jobs espalhados pelo mundo, mas desde o surgimento da internet não criamos algo tão poderoso como o wathsapp. Fácil e instantâneo! Algumas empresas já estão pagando smartphones para seus funcionários de modo que tenham acesso a eles vinte e quatro horas. Policiais já estão usando o aplicativo como uma segunda central de informações justamente por isso: fácil e instantâneo. Os médicos já realizam consultas e retornos pelo "zapzap". Basta anexar fotos dos sintomas visíveis, um breve relato dos sintomas clínicos e os resultados dos exames. Bingo! "Com essas placas na garganta vai precisar de antibióticos. Vou deixar a receita com a secretária." Namorar ficou muito prático, assim como acabar uma paquera. Basta monitoramos os tiques. Dois tiques azuis e o parceiro tem cinco segundos para responder. Dois tiques azuis e a paquera não respondeu: tchau, já era.

É um novo tempo ao qual achei que não ia me adaptar. Fui engolido por ele! Penso que ainda vamos caminhar muito. Confesso que não sei em qual direção, mas lembro-me do filme de Jonathan Mostow, Substitutos. É o ano de 2054 e a população usa andróides para realizar suas tarefas diárias. Tudo de maneira muito performática. Ninguém sai de casa, mas todos acham que possuem uma vida. Talvez tenhamos iniciado esse momento onde achar a performance ideal é mais importante que abrir a porta de casa e mostrar o rosto. Tudo bem. Fazer o quê? Sem hierarquias. Cada período constitui a história da nossa espécie, mas de uma coisa estou convencido: para quem vive a transição, isso tudo é uma merda.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Caros leitores, as novas publicações estarão na minha Fanpage (clique aqui). Aguardo vocês!!

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Futebol? Isto é dinheirismo!


Sete dirigentes da Fifa detidos por corrupção envolvendo empresas de marketing e transmissão esportiva. O enriquecimento ilícito desses senhores do futebol envolve também a escolha dos países-sede das copas de 2018 e 2022 - Catar e Rússia, em um processo de escolha no mínimo duvidoso.

Entre os detidos está José Maria Marin, ex-presidente da CBF e atual vice-presidente da entidade. 

Definitivamente a corrupção entrou em todas as instâncias da vida humana. Ela parece ser a nossa segunda pele. Desvirtuou até nosso circo, digo, nosso futebol. 

Para não perder a oportunidade sugiro aos manifestantes anti-PT, que ao saírem às ruas não vistam a camisa da CBF. Seria um tanto controverso. Sugiro também aos meus vizinhos que parem de gritar em dias de jogos do Cruzeiro e do Atlético, porque isso é estupidez demais.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A revolução dos bichos e o aniversário do PT



Escrito há setenta anos, o livro "A revolução dos bichos", de George Orwell, me vem à mente quando penso nos trinta e cinco anos do PT.

Na fábula o grande britânico, que era socialista e inimigo de qualquer forma de manipulação política, satiriza a ditadura stanilista humanizando animais. Os bichos tomam a granja e expulsam os homens. Então se instaura uma nova forma de vida para os ora explorados bichos. Todos têm direitos às mesmas frações de água, de comida e de descanso.  Todavia, os porcos, por serem um pouco mais inteligentes, começam a "governar" o reino dos animais e, sob a desculpa de tentarem manter um sistema que 'seria bom para os bichos' se envolvem em homicídios, em notícias falsas e em uma série de mecanismos conhecidos nossos. No fim das contas, a bela história termina com os porcos sentando à mesa, onde outrora só os homens se sentavam, comendo e se embriagando. No fim das contas, os porcos comem com talheres. Na fábula "todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros."

Talvez na tentativa de defender um estilo de vida, uma ideologia, uma religião, um sistema partidário, um partido, uma pessoa... a primeira coisa que fazemos é descaracterizar o que antes protegíamos e torná-lo algo menos igual do que ele jamais teria sido. O sistema político brasileiro é uma bestialidade e os bichos, que um dia prometeram mudá-lo, sentaram-se à mesa e comem com talheres. 

Parabéns PT, "quem te viu e quem te vê"!

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O expresso da meia-noite de Archer



Estados Unidos, Japão, Cuba, Camarões, Egito, Emirados Árabes estão na lista dos mais de sessenta países que adotam a pena de morte. No último dia 18 o brasileiro Marco Archer foi executado na Indonésia por tráfico de drogas. Todos já sabemos da história. Ele estava preso desde 2004. E para mim são essas as duas questões que camuflam o oportunismo de todos nós que achamos que foi bem feito ou que somos contra: mais de sessenta países no globo possuem a pena de morte em seus arcabouços jurídicos e o fato do nosso compatriota estar preso há dez anos.

Sim, é oportunismo político, virtual, legal e filosófico voltar o olhar para a Indonésia enquanto o Irã condena à morte estupradores. É oportunismo questionar o arcabouço jurídico dos indonésios enquanto vários países da África e da Ásia executam homossexuais. Todo tipo de opinião isolada nesse contexto parece ser tendenciosa e promíscua. Afetada pela velocidade com a qual as informações chegam para nós e da forma como chegam. Ao invés de tratar a pena de morte como fato isolado na medida em que ela acontece e é noticiada, deveríamos considerar com mais seriedade os tratados internacionais que, não violando as soberanias nacionais, colocam-se como mecanismos de discussão sobre questões que não transcendem culturas, mas ao contrário percebem a riqueza da comunidade global e buscam harmonizá-la. É leviano, nesse momento, se colocar simplesmente a favor ou contra a morte de Archer.

Dez anos! O que nossa embaixada fez por Archer nesses dez anos antes de ser chamada de volta ao Brasil? Seis pedidos de clemência ao que tudo indica. Fez o que tinha que ser feito do nosso ponto de vista jurídico, mas desrespeitou a Indonésia ao se retirar. Desrespeita os que estão nos corredores da morte nos EUA, no Egito (mesmo que não sejam brasileiros) e em todos os países onde temos representações diplomáticas ao não chamá-las de volta ao Brasil. Ou a questão é apenas (não tenho a intenção de ser debochado quando uso a palavra "apenas") Archer? Para mim, soa leviano celebrar tratados internacionais de defesa dos direitos humanos, pedir clemência seis vezes em dez anos, assinar acordos comerciais com diversos países que possuem a pena de morte e retirar o embaixador tupiniquim da Indonésia depois da execução do surfista-traficante.

Quando eu assisti O expresso da meia-noite, saga de um jovem estadunidense que é preso, e condenado a trinta anos de cárcere, quando tenta sair com haxixe da Turquia, senti profunda empatia pelo protagonista. No caso de Marco Archer não. A imprensa, os internautas e o governo brasileiro me fizeram sentir nojo (do episódio). 

Talvez se houvesse seriedade na discussão sobre a pena de morte e o Direito Internacional o expresso da meia noite de Archer teria um outro final.