quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A crueldade nossa de cada dia





Uma das primeiras leis que estudei durante meu período de formação como profissional de segurança foi a lei 9.455/97, aquela que define os crimes de tortura. Lembro-me que questionava, absorto em mim, sobre a necessidade de uma lei que protegesse as pessoas de tal crime. Questionava-me não em relação a lei em si, mas sobre o fato de que existiam pessoas capazes de submeter outro ser humano à sofrimento físico e mental sob alegações diversas: castigo, obtenção de confissão ou mesmo de maneira preventiva.

Durante mais de uma década percebi que existem pessoas assim além dos livros de História. Negros, judeus, ciganos, pobres sempre foram as vítimas preferidas desse delito, todavia a crueldade narrada pelos historiadores, desde o holocausto até o apontamento das ditas classes perigosas (conceito sociológico ultrapassado), se materializa no nosso dia a dia.

Em Araçatuba, interior de São Paulo, uma menina foi torturada pelo padrasto, Maurício Scaranello, e pela mãe, Sara de Andrade Ferreira. Eles ofereciam cebola para a criança alegando ser maçã e a impediam de dormir. Os dois torturadores já foram indiciados.

Agora pergunto-me qual o perfil desse casal? Até a descoberta do crime, no início deste mês, eram criminosos que passavam despercebidos pela comunidade. Não há no perfil deles nada que indique as atitudes das quais são acusados, a não ser uma característica fundamental: são humanos.

Quando escreve o mito do Cocheiro, Platão compara a alma a uma carruagem puxada por dois cavalos, um branco (de gênio difícil) e um negro (o do prazer). O corpo humano é a carruagem, e o cocheiro (razão) conduz através das rédeas (pensamentos) os cavalos (sentimentos).  Para o filósofo, cabe ao homem através de seus pensamentos conduzir seus sentimentos, pois somente assim ele poderá manter-se sóbrio. Parece-me que as rédeas andam soltas!

Hoje eu entendo bem a lei e sei que existe maldade por aí. Nunca presenciei a personificação do mau como as religiões narram. Contudo vejo todos os dias o que os da nossa espécie são capazes de fazer. Um amigo sempre me diz que existem mais pessoas boas do que ruins. Eu discordo. Existem mais pessoas más do que boas, e elas precisam infligir ao outro sua cota diária de crueldade, seja através de uma fofoca de canto de escritório, seja oferecendo cebola à uma criança.

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