Uma das primeiras
leis que estudei durante meu período de formação como profissional de segurança
foi a lei 9.455/97, aquela que define os crimes de tortura. Lembro-me que
questionava, absorto em mim, sobre a necessidade de uma lei que protegesse as
pessoas de tal crime. Questionava-me não em relação a lei em si, mas sobre o
fato de que existiam pessoas capazes de submeter outro ser humano à sofrimento
físico e mental sob alegações diversas: castigo, obtenção de confissão ou mesmo
de maneira preventiva.
Durante mais de uma década percebi
que existem pessoas assim além dos livros de História. Negros, judeus, ciganos,
pobres sempre foram as vítimas preferidas desse delito, todavia a crueldade
narrada pelos historiadores, desde o holocausto até o apontamento das ditas
classes perigosas (conceito sociológico ultrapassado), se materializa no nosso
dia a dia.
Em Araçatuba, interior de São Paulo,
uma menina foi torturada pelo padrasto, Maurício Scaranello, e pela mãe, Sara de Andrade Ferreira.
Eles ofereciam cebola para a criança alegando ser maçã e a impediam de dormir.
Os dois torturadores já foram indiciados.
Agora
pergunto-me qual o perfil desse casal? Até a descoberta do crime, no início
deste mês, eram criminosos que passavam despercebidos pela comunidade. Não há
no perfil deles nada que indique as atitudes das quais são acusados, a não ser
uma característica fundamental: são humanos.
Quando escreve o mito do Cocheiro, Platão
compara a alma a uma carruagem puxada por dois cavalos, um branco (de gênio
difícil) e um negro (o do prazer). O corpo humano é a carruagem, e o cocheiro
(razão) conduz através das rédeas (pensamentos) os cavalos (sentimentos).
Para o filósofo, cabe ao homem através de seus pensamentos conduzir seus
sentimentos, pois somente assim ele poderá manter-se sóbrio. Parece-me que as
rédeas andam soltas!
Hoje eu entendo bem a lei e sei que
existe maldade por aí. Nunca presenciei a personificação do mau como as
religiões narram. Contudo vejo todos os dias o que os da nossa espécie são
capazes de fazer. Um amigo sempre me diz que existem mais pessoas boas do que
ruins. Eu discordo. Existem mais pessoas más do que boas, e elas precisam
infligir ao outro sua cota diária de crueldade, seja através de uma fofoca de
canto de escritório, seja oferecendo cebola à uma criança.
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