domingo, 25 de março de 2012

Vendendo arte, por Raphael Juliano.



            Estamos precisando de mecenas! Sim, ultimamente em minhas andanças tenho percebido um aumento peculiar dos preços de livros, ingressos para teatros, espetáculos de dança e cinema.
            Em minha última visita à São Paulo tive que optar entre um livro ou outro na gigante livraria Cultura. Um exemplar de “Perguntaram-me se acredito em Deus”, de Rubem Alves, estava custando R$ 42,00 (quarenta e dois reais). Sim, é uma pechincha. Será uma pechincha para quem sobrevive com um ou dois salários mínimos?  Não estou desvalorizando o trabalho do grande Rubem. Estou apenas valorizando a sede que muitas pessoas têm em conhecer arte e que por questões de mercado, não podem.
            Pergunto-me: escrever, dançar, dirigir cinema, representar, não são vocação? A arte não estaria no próprio DNA existencial de quem escreve, dança, dirige cinema e representa? Não quero ser anacrônico a ponto de afirmar que estas pessoas não são merecedoras do dinheiro que ganham. Mas quero ser provocativo em questionar se elas se rendem ao mercado por uma questão de sobrevivência ou por uma questão meramente capitalista, de mercado.
            Fato é que o capitalismo mercenário invadiu todas as esferas do consumo ordinário. Prova disso são as catedrais centers do capital, o fast-food, que agora já nos adianta até o café da manhã no metrô e até a dimensão mais íntima e sagaz de uma relação: a correspondência. Alguém ainda escreve cartas? Creio que preferimos enviar mensagens rápidas pelo facebook ou torpedos ilimitados a R$0,25 (vinte e cinco centavos) por dia!
            Pois sim, o consumo invadiu a arte. Os poetas, dançarinos, atores que não se rendem ao mercado ou que não despertam o interesse dele são lançados à marginalização das praças, dos saraus, e das campanhas de popularização.  Em Belo Horizonte temos a Campanha de Popularização do Teatro e da Dança. Que triste. Soa como: “vamos dar uma palhinha para os marginais. Vamos abrir espaços para os não consagrados, e aproveitamos e permitimos que os assalariados vejam teatro pelo menos uma vez ao ano.” Isso não é mecenato. Isso é legitimar o gueto dos pobres da arte!
            Precisamos urgentemente de mecenas que invistam em Machados de Assises que estão por aí escrevendo nas esquinas das cidades. Precisamos de pessoas que estimulem Cazuzas a comporem e cantarem. A arte clama por homens que promovam Fernados Meirelles e Almodóvares. Que nos apresentem novos Javiers Bardems que nos façam chorar assistindo a filmes como “Antes do anoitecer” a preços acessíveis.
            Do mesmo modo digo que precisamos que os Rubem Alves, as Biorks, os Woody Allen, as Fernanda Montenegro, saiam de suas singularidades e ofertem-nos sua arte, na nossa pluralidade de marginais do consumo.
            Pode ser que os mecenas cumpriam um papel político no período renascentista, ou mesmo antes, quando deveras o termo nasceu com Caio Mecenas. Pode ser que o ideal das feiras populares e das campanhas de popularização não seja guetificar as relações entre artistas desconhecidos e o público com menor poder aquisitivo. Mas será que os vocacionados à arte não estão deveras vendendo arte? E apenas vendendo?
            Recentemente houve uma feira em Belo Horizonte (não posso entrar em detalhes para não expor o amigo que fez parte da organização do evento) e um grande nome do carnaval brasileiro foi convidado para palestrar sobre o tema ‘inovação’. Ele cobrou nada mais e nada menos que R$45.000,00 (quarenta e cinco mil reais) para falar por uma hora e meia. Com passagens áreas e hospedagem por conta dos realizadores do evento. Seria ótimo se os organizadores absorvessem os custos. Porém os custos foram  repassados para os participantes que pagam o ingresso que agora tem a alcunha de “investimento”.
            Enquanto meus escritores e músicos apenas venderem arte terei sempre que optar por um ou outro. E dessa vez escolhi George Orwell. Desculpe Rubem, desculpe, mas não deu para comprar os dois, sou marginal de bolso.

               

3 comentários:

  1. Perfeita análise, Rapha. A lógica de mercado é o que manda e mesmo aqueles que teriam tudo para se desplugar dessa filosofia sucumbem às perspectivas de uma qualidade de vida cada vez melhor. Cobrar 45 paus é o fim da picada. Aliás, ele tá certo. O f... é pagar isso e repassar, como vc bem salientou, na forma imoral de 'investimento'. Parabéns.

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  2. Obrigado, Beto. Aprendendo a ser objetivo como você, rs.

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  3. Lembrei-me da variação exorbitante de preço do livro do R.Gondim. Ainda bem que existem os sebos, rsrs.
    Beijos,
    beijos também para o cara da voz sexy que comentou acima, hehehe.

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