quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

O ciclo 2014 chega ao seu fim



Já escrevi que sempre estamos tentando submeter o tempo. É a nossa necessidade de imortalização. Isso pode ser bom e pode ser ruim. Quando tentamos submeter o tempo para termos referência do passado e do futuro, considero que seja bom. Mas quando tentamos submetê-lo com essa ideação de nos eternizar, penso que podemos sofrer muito. A eternidade é apenas uma conjectura na qual queremos acreditar.

Nesse afã passam-se doze meses. E o que fica? O que vai? Gosto da perspectiva de tentarmos submeter o tempo fechando ciclos. É preciso termos a consciência de que ciclos devem ser fechados e outros iniciados.

Nos doze meses que se passaram, fiz escolhas e, atreladas a elas, dei fim a inúmeras possibilidades, mas também me abri para a vida abraçando o porvir. Deixei pessoas para trás de maneira sóbria, reencontrei outras e recomeçamos. Conheci novas pessoas que parecem ser incríveis. Decidi minhas posições no trabalho, publiquei meu primeiro livro, escolhi novamente a cidade na qual quero viver por mais um tempo, deixei a barba crescer, sabendo que teria que raspá-la novamente. Beijei, arrisquei-me. Tentei ajudar quem queria ajuda e não ajudei aqueles que preferem seguir sozinhos. Reafirmei meu amor à família e aos amigos e minha cautela para com as instituições. Comecei a ler Kerouac, dei um tempo em Dostoiewski, chorei por Rubem Alves e me apaixonei de vez pelo velho Bukowski. Decidi não trocar de carro tão cedo e comprar mais chapéus e camisas de poá. Escolhi continuar amando as reticências e evitando as vírgulas. Na minha caminhada, tive que ressignificar muita coisa para sobreviver. 

É isto: vamos fechar ciclos. Alguns dizem que começamos tudo igual. Que os projetos são os mesmos. Coitados. Estão deixando esta beleza que é a vida passar! Faça um novo projeto! Inicie um novo ciclo! Aprenda uma nova língua. Apaixone-se novamente. Aprenda a cozinhar! Corra! Corra mais cinco quilômetros. Faça Pilates. Mova-se, porque o universo pode conspirar por você a qualquer momento!

Desejo um bom término e um bom começo!


quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Quem é que vai limpar nossa privada?

Folheando as páginas da internet no dia dois deste mês li uma matéria no jornal Estado de Minas na qual dizia que o Papa e outros líderes religiosos assinaram um acordo pela erradicação da escravidão até 2020. Quando li a manchete confesso que fiquei pensativo. Lembrei-me do processo, gradual, de abolição do trabalho escravo que se iniciou no Brasil em 1850. É, não acabou. Nem aqui nem lá fora. Ainda exploramos o outro. Ainda queremos ganhar dinheiro sobre o trabalho alheio, com o menor esforço possível.

Quando o Brasil regulou a atividade de empregada doméstica, li enxurradas de mensagens, impregnadas pelo senso comum, de que seria impossível manter uma "secretária" (que eufemismo estúpido), pagando salário mínimo e benefícios. Na verdade, elas sempre deveriam ter sido tratadas como qualquer trabalhador, mas nós, em nome do papel ao qual chamamos de dinheiro, deliberadamente escolhemos explorá-las. Sim, a escravidão está em nossos quintais, nos nossos sítios, nas nossas lanchonetes, no restaurante onde almoçamos, nos supermercados onde compramos. Basta parar um minuto e perceber ao redor. A todo momento tentamos explorar o outro. A todo momento tentamos lucrar. Ou você acha que trabalhar aos domingos e feriados, de 10 as 22 horas, com folga apenas na segunda-feira, para ganhar oitocentos reais por mês não é trabalho escravo? Não. Não é mentira. Convivo com pessoas que são exploradas assim. E constantemente elas se perguntam se é melhor ganhar isso sendo exploradas aqui (em sua terra natal) ou ganhar um pouco mais em libras e serem exploradas em Londres, trabalhando vinte horas por dia (e por noite).

Francisco está certo. Temos que continuar o processo de abolição do trabalho escravo. Contudo o prazo está apertado - eita Papa apressado. O ano praticamente acabou e, pelas contas dele, temos cinco anos de luta pela frente. Admiro o otimismo de Bergoglio. Mas talvez nunca erradiquemos o trabalho forçado e o tráfico de pessoas para tal. A nossa lógica é outra! Afinal, quem é que vai limpar nossa privada?


sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Hoje eu decidi molhar os pés



Hoje é uma sexta de noite chuvosa em Belo Horizonte, final de novembro, dia vinte e oito, e a chuva parece enfim querer chegar. Para mim, ela anuncia possibilidade de renovação, possibilidade de que não aconteça racionamento de água. Mas anuncia também a pressa da memória das pessoas, a pressa da existência consumida.

Quando saí do trabalho saquei meu pequeno guarda-chuva da mochila, ciente de que iria me molhar. Vi tanta gente correndo pela rua! Claro, é um desejo legítimo: não se molhar. Então me lembrei de uma conversa que tive há dias com um amigo sobre como seria bom tomar um banho de chuva nesses tempos de seca. Lembrei-me das pessoas reclamando do calor e do preço do limão (a caixa subiu 43%). Continuei meus passos lentos em direção ao metrô. Eu era empurrado e olhado com estranheza por causa da minha lentidão. Os pés já estavam molhados, então não pulei a poça de água. Já no vagão consegui um lugar para sentar e, quando tirei meu Júlio Verne para continuar a leitura, percebi que não podia ler, porque tinha uma goteira bem em cima de mim, fechei-o e esperei por meu destino. Desembarquei entre mais correria, com água molhando meus pés.


Compreendo que molhar as meias é horrível. Todavia, às vezes, pode ser um evento profético. Pode significar que teremos terra boa e fartura, mas hoje, não sei o porquê, ninguém se lembrou do calor e da escassez. Como nossa memória tem pressa, muitos de nós se esqueceram do problema anterior, e a chuva se tornou o maior problema do dia. Hoje eu decidi continuar andando devagar e molhar os pés. Desejo um bom Black Friday para os que se esqueceram do calor e do preço do limão. 

P.s.: e a principal nascente do rio São Francisco voltou a jorrar.


quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Deixem-nos morrer!!

*Imagem da morte jogando xadrez com o cavaleiro, do filme 'O Sétimo Selo'.


A morte de Brittany Maynard foi linda como sua vida. Em sua cama, rodeada por aqueles que ela amava e com a música que ela escolheu. Antes que o câncer cerebral atingisse um estágio no qual a paciente não teria mais autonomia e sua sobrevida fosse garantida pelos médicos e parentes, a moça realizou um suicídio assistido.

Escrevi outro dia sobre o direito ao parto (normal ou cesariana), e a atitude dessa jovem me fez pensar sobre o nosso direito a uma morte digna. Temos dificuldade para falar sobre isso por causa da nossa raiz judaico-cristã. Mas além da mitologia da religião, que tenta eternizar nossa existência, a medicina e sua ética, afetada pela mesma matriz, tentam prolongar a todo custo a vida dos doentes terminais. Recentemente vi um garoto de pouco mais de vinte anos, que lutava contra um câncer, ficar em carne viva em cima de uma cama, recebendo cuidados paliativos, porque não nos permitimos discutir tais questões. Ele estava entubado, inconsciente e sequer podia receber os carinhos da mãe, porque ao menor toque, a pele se desmanchava. Não estamos falando aqui de pessoas que têm possibilidades de terapia. Estamos falando do fim das possibilidades e, nessa perspectiva, existe um pudor funcional em todos nós: temos dificuldade em falar da finitude.

O Conselho Federal de Medicina, em 2012, publicou uma resolução chamada de Diretiva Antecipada de Vontade. O objetivo é de que o paciente registre seus valores e princípios e, de maneira clara, especifique os procedimentos aos quais aceita ser submetido. O documento precisa ser registrado em cartório, e seu declarante tem que ter um procurador. Contudo ainda existe um longo caminho a ser trilhado em todo o mundo acerca do assunto. A própria Brittany teve que se mudar da Califórnia para o Estado de Oregon para se beneficiar da lei do suicídio assistido. Ela, que antes de morrer,  esteve no Vietnã, em Camboja, em Laos, na Cingapura e na Tailândia. Que trabalhou um verão na Costa Rica e que viajou para a Tanzânia, para escalar o Kilimanjaro. Ela que fez aulas de escalada no Equador e mergulhou em Galápagos, em Zanzibar, nas Ilhas Cayman e basicamente em toda ilha que visitou, não pode morrer na terra onde nasceu, porque não nos permitimos falar sobre a eutanásia.

Quando as pessoas quiserem falar sobre o assunto, farei coro com aqueles que pedirão: deixem-nos morrer!


sábado, 25 de outubro de 2014

Vocês vão governar para quem?



O que queríamos ver? Uma conversa sobre os pontos cruciais que precisam melhorar em nosso país.
O  que vimos? O de sempre. Marketeiros manipulando os candidatos de modo que eles fugissem, pelo ataque rasteiro, das principais questões que precisam vir ao debate público. Pouco ou nada se discutiu sobre sustentabilidade, reforma política, o fortalecimento do estado laico, políticas que defendam grupos vulneráveis, a gestão participativa e representativa do SUS e tantas outras pautas.

O jogo político se dá aí: no campo da marginalidade, onde os presidenciáveis tateiam entre o que dizer e o que não dizer. Sim, o jogo, é marginal, diferente da boa e distante política. Já sei em quem vou votar e não farei lobby aqui. Apenas escrevo porque no meio de tudo isso estamos nós, sociedade civil, e diferentemente do que a mídia golpista diz, não estamos em um regime bolivariano. Estamos longe disso. Estamos amordaçados! Nossas perguntas e dúvidas não foram discutidas. 

Faço das palavras de Raquel Landim, repórter especial do jornal Folha de S.Paulo, as minhas:
"Depois de protagonizarem uma campanha de poucas propostas e muitos ataques, que dividiu o país ao meio, vocês serão capazes de adotar uma agenda conciliadora e governar também para a metade do país que não os elegeu? Como?"

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Cadê meu quintal?


Nosso país é uma grande casa onde a maior parte das pessoas não tem a dimensão da rua. Sim, é uma menção a Roberto DaMatta em sua obra "A casa e a rua". Hoje pela manhã enquanto lia jornal vi uma matéria sobre um cidadão que trabalha como policial civil em Brasília. Ele está de uniforme e pula a catraca da portaria de um Hospital. Quando o segurança do lugar repreende a forma como o policial se portou ele é algemado e conduzido à Delegacia.

Certo é que não se trata da atitude de um policial. Eu sempre insisto: é a atitude de um homem (ô racinha, viu!). Nossa espécie dá sinais de falência a todo instante, contudo aqui embaixo do Equador há alguns comportamentos que ainda são mais arraigados. Temos muita dificuldade em separar aquilo que é público do que é privado, a casa da rua. Não conseguimos mais ter limites quando estamos em um ambiente que não é só nosso. O brasileiro tende a levar sua ambiência privada para o espaço comum, da mesma forma que utiliza do poderio que o estado investe no serviço público para satisfazer a interesses pessoais. Além do poder existe um outro mecanismo largamente utilizado por nós: o status. Não mais o policial ou o juiz, agora aquele que diz "sabe com quem está falando?" é um médico ou um jogador de futebol, mas a mistura entre público e privado continua porque na maior parte das vezes quando essa frase é usada por essas pessoas, que não são funcionários públicos, é para fugir da aplicação lei.
É assim que ainda funciona aqui. Podem dizer que mudamos alguns comportamentos. Até acho que pela vigilância digital realmente tenhamos mudado, mas o fato é que a frase "sabe com quem está falando?" nunca deveria ter sido dita.




terça-feira, 14 de outubro de 2014

O direito a não sentir dor




A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) fará consulta pública sobre Resoluções que tem o objetivo de controlar o tipo de parto das mulheres brasileiras. Sim! A ANS diz querer estimular o parto normal, mas as resoluções querem é regular.

No Brasil, na rede particular, mais de 80% dos partos são por cesariana. Mais de 40% dos partos no Sistema Único de Saúde (SUS) são por cesariana. A média geral é superior a 50%, mais de 35% do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). 

O Ministério da saúde afirma que o parto não é uma questão de consumo, mas sim de saúde pública. A incidência de síndrome respiratória aguda é maior nas crianças nascidas na cesariana, o número de óbitos neonatais também é maior, segundo o MS e a OMS. E lá vem aquela balela de que a vida é um bem inalienável. 

Não sou contra o parto humanizado. Não sou contra o parto normal. Penso que essa é uma decisão que deve ser partilhada entre paciente e médico. 

O Estado quer proteger o direito a vida a todo custo, mas e o direito a não sentir dor? Existem lugares onde o Estado não cabe.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

A esperança enrugada é melhor que a velha privataria

Lembro-me quando Lula foi eleito: "a esperança venceu o medo". E de lá para cá muita coisa mudou. Como qualquer ideologia político partidária o lulismo e o petismo tomaram volume. E o que esperávamos? Uma política de bons moços? As oligarquias que mandavam e desmandavam no país desde a abertura democrática nunca foram compostas por bons moços. Para garantir a governabilidade o PT teve que entrar no jogo. É assim que funciona. Ainda é assim! Muitos erros, sem dúvida. Quem quiser se salvar tem que pular desse barco. 

Minha opinião pessoal é de que não está ótimo. Todavia pode voltar a ficar ruim. Não votei em Dilma. Ela não conseguiu fazer a reforma política que o Brasil precisa. Sim! Meu voto foi pela abolição do atual sistema. Não foi um voto de protesto. Eu e meu pequenino voto queríamos desestabilizar o que está posto. Evidente que não consegui. Minha Luciana volta para suas lutas diárias e agora tenho que me decidir entre a social-democracia e a enrugada esperança trabalhista. 

Não duvido da capacidade técnica de Aécio. Não duvido de sua equipe e gestão. Eu duvido é de suas intenções. Vamos voltar a um Brasil de poucos. Vamos voltar para as mãos daqueles que geriram esse país por mais de trinta anos e nunca se lembraram do povo, de quem está na base da pirâmide. Aécio Neves destruiu a educação de Minas Gerais, manipulou números para demonstrar indicadores positivos e sucateou a saúde. Sou mineiro. Sei do que estou falando.

Dilma gerou renda, falta avançar e gerar competências. É para isso que votarei nela. Vou permitir mais uma vez que a esperança vença o medo.

Não dá para ficar em cima do muro.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A crueldade nossa de cada dia





Uma das primeiras leis que estudei durante meu período de formação como profissional de segurança foi a lei 9.455/97, aquela que define os crimes de tortura. Lembro-me que questionava, absorto em mim, sobre a necessidade de uma lei que protegesse as pessoas de tal crime. Questionava-me não em relação a lei em si, mas sobre o fato de que existiam pessoas capazes de submeter outro ser humano à sofrimento físico e mental sob alegações diversas: castigo, obtenção de confissão ou mesmo de maneira preventiva.

Durante mais de uma década percebi que existem pessoas assim além dos livros de História. Negros, judeus, ciganos, pobres sempre foram as vítimas preferidas desse delito, todavia a crueldade narrada pelos historiadores, desde o holocausto até o apontamento das ditas classes perigosas (conceito sociológico ultrapassado), se materializa no nosso dia a dia.

Em Araçatuba, interior de São Paulo, uma menina foi torturada pelo padrasto, Maurício Scaranello, e pela mãe, Sara de Andrade Ferreira. Eles ofereciam cebola para a criança alegando ser maçã e a impediam de dormir. Os dois torturadores já foram indiciados.

Agora pergunto-me qual o perfil desse casal? Até a descoberta do crime, no início deste mês, eram criminosos que passavam despercebidos pela comunidade. Não há no perfil deles nada que indique as atitudes das quais são acusados, a não ser uma característica fundamental: são humanos.

Quando escreve o mito do Cocheiro, Platão compara a alma a uma carruagem puxada por dois cavalos, um branco (de gênio difícil) e um negro (o do prazer). O corpo humano é a carruagem, e o cocheiro (razão) conduz através das rédeas (pensamentos) os cavalos (sentimentos).  Para o filósofo, cabe ao homem através de seus pensamentos conduzir seus sentimentos, pois somente assim ele poderá manter-se sóbrio. Parece-me que as rédeas andam soltas!

Hoje eu entendo bem a lei e sei que existe maldade por aí. Nunca presenciei a personificação do mau como as religiões narram. Contudo vejo todos os dias o que os da nossa espécie são capazes de fazer. Um amigo sempre me diz que existem mais pessoas boas do que ruins. Eu discordo. Existem mais pessoas más do que boas, e elas precisam infligir ao outro sua cota diária de crueldade, seja através de uma fofoca de canto de escritório, seja oferecendo cebola à uma criança.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O Rio São Francisco tornou-se descartável






 A principal nascente do Rio São Francisco em São Roque de Minas, na Serra da Canastra, está praticamente seca. Um dos mais importantes rios do Brasil, com 2.700 quilômetros de extensão, dá mais um sinal de alerta à humanidade.

A história tem mostrado que uma de nossas características mais evidentes é não saber conviver com o planeta. O afã desenvolvimentista e consumista do ser humano tem impactado o ambiente que nos abriga. Outrora consumido em guerras, ainda presentes, todavia redimensionadas, a Terra hoje sucumbi sob a égide de uma lógica perversa: a descartabilidade.

Na direção contrária à permacultura, sustentabilidade social e economicamente justa, os assentamentos humanos internalizaram uma relação fast food com o espaço no qual vivem. Sim, parece que não há tempo. A pressa impera. Temos que explorar o planeta até a escassez dos recursos que não se renovam. E tudo isso em nome de uma fictícia qualidade de vida. Não andamos mais a pé. Não subimos escadas. Esquecemos nossas bicicletas nos porões. Gastamos mais água para produzir uma garrafa de plástico de 500 ml, do que a própria quantidade de água contida ali. Não há lixeiras a cada quarteirão e isso nos dá o falso direito de jogarmos o papel de bala no chão. Temos três carros na garagem da mesma casa e a cada amanhecer cada um pega o seu veículo para um destino, que tantas vezes é na mesma direção. Compramos um par de calçados a cada mês como se fôssemos centopeias. E tudo isso sem percebermos que estamos levando nosso habitat ao limite. A Terra é um sistema fechado e todas as transformações naturais que presenciamos não são normais porque ela não troca matérias com o universo.

Não se trata aqui de ser um 'eco chato', mas sim de observar que existe uma relação desigual. E nas relações desiguais há duas tendências básicas: ou o que é mais exigido expurga o outro quando não dá conta, ou o que mais exige sucumbe quando não é satisfeito. Nesse contexto, qualquer um dos caminhos é perigoso.

Descartamos as estações do ano, descartamos a camada de ozônio, descartamos a mobilidade e agora descartamos o Velho Chico. Achamos que podemos descartar a 'mãe natureza', mas estamos enganados. Há tempos ela nos percebe como à um corpo estranho, e lentamente vai corrigindo seu erro. Vai nos expurgando.

Se eu fosse a Terra não seria tão piedosa, corrigiria tudo antes que descartemos de vez a foz do São Francisco em seu belo encontro com o mar.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Esse mundo não me alegra

           

 "Esse mundo não me alegra." Foram as palavras de um amigo ontem. Ele tem seus motivos, mas e nós temos os nossos? Então vou mencionar dois motivos pelos quais esse mundo não me alegra.

Na última quinta-feira Patrícia Moreira, de vinte e três anos, gritava em alto e bom som durante a derrota do Grêmio para o Santos: "macaco". Ela referia-se ao goleiro Aranha, do time perdedor.
Ontem um garoto de doze anos foi barrado pela diretora da escola Municipal onde estuda, no Rio de Janeiro, por ter aderido ao Candomblé. O menino usava guias, contas coloridas usadas no pescoço que distinguem a qual orixá pertence cada indivíduo adepto da religião.
            
Dois motivos fortes para não me alegrar com esse mundo. Aqui as pessoas parecem não ter o direito de ser aquilo que são ou aquilo que escolheram ser. Todavia o que mais me assusta é o fato dessa segregação, que parte de uma ideia padrão, muitas vezes se originar no espaço do lúdico, sobretudo do lúdico que vendemos, o futebol, bem como no ambiente público, do Estado.
           
 Sim, Patrícia, é humilhante chamar um negro de macaco tanto quanto seria chamar uma branca como você de vaca. Percebe?
            
Sim, senhora Diretora da Escola Municipal Francisco Campos, é uma aberração proibir um aluno de entrar no educandário por causa da sua religião, tanto quanto seria não pensar em uma política salarial justa para sua categoria. Percebe?
           
 Questões como o racismo ou a fragilidade da laicidade do Estado já deveriam ser pautas superadas. Procuro argumentos em favor das duas mulheres e não encontro. O anonimato do estádio de futebol? A historicidade de nossa cultura judaico-cristã? Não. Não é aceitável. E o pior de tudo é ter a plena consciência que existem muitas Patrícias. É saber que o crucifixo aparece ostensivo na entrada principal de muitos espaços públicos, apartando do direito quem precisa dele. Tempos difíceis!
            
Esperança? Se tenho esperança? Duas coisas me fazem querer ter esperança. São resoluções pessoais. A primeira é não torcer para time de futebol e a outra é não votar em candidatos religiosos. Então o que tenho para hoje, como diria o saudoso Rubem Alves, "é a possibilidade da esperança."
            

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

E antes do PT era o PSDB...



                    Uma salada mista! É isso que a política brasileira se tornou. Lembro do meu tempo de militância, quando achava que podia fazer muito. Apoiei Márcio Lacerda (PSB) e Roberto Carvalho (PT) para a prefeitura de Belo Horizonte em 2008. Eu era assessor de um candidato a vereador do PSL. Por trás disso tudo estava Aécio Neves, à época governador pelo PSDB, e Fernando Pimentel (PT).
            Todos ganharam. Dois anos depois eu pedi minha demissão. Meus sonhos com a política envelheceram no meio dessas siglas.
            Meu professor de política dizia que Maquiavel enxergava o poder como um instrumento para o governante (príncipe) defender seu povo a qualquer custo, mesmo com crueldade e/ou trapaça. Essa mistura entre os partidos políticos no Brasil me faz pensar que a política se tornou uma carreira. Cartilhas se misturam em nome do poder. Cheguei a ouvir "eu não quero dinheiro, quero é poder". Por que? Ora, hoje o instrumento de defesa da população se tornou mecanismo para a sua própria conservação. Da perspectiva carreirista, os nossos governantes querem poder para se manterem onde estão, no poder. E aí qualquer argumento vale, desde a montagem da figura messiânica de Lula nas eleições de 2002, para que enfim o PT chegasse ao governo, até a morte de Eduardo Campos.
            Pêra, uva, maça ou salada mista? Parece que ninguém consegue mais distinguir os sabores, então é salada mesmo! Aécio hoje disputa a presidência da República pelo PSDB e Pimentel o governo de Minas pelo PT, apoiando Dilma para Presidenta na mesma legenda. Como tudo mudou desde 2008.
            Quando falo que vou votar em determinada legenda, alguns colegas zombam de mim: "vai perder seu voto, é?" Eu simplesmente respondo: não, vou tentar sentir o sabor de uma fruta só. Mas depois eu me pergunto: será possível?
  

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Bukowski e a decadência


                É o terceiro livro de Charles Bukowski que leio: Mulheres, depois de Cartas na Rua e Factótum. Penso que a grande sacada do escritor alemão apaixonado por Los Angeles é descrever a decadência com um charme que nos empolga, talvez porque esta seja a sina de todos nós. A cidade e as pessoas para Bukowski, que usa Henry Chinaski como seu alter ego, estão em constante desconstrução. Não há enlatamentos. Os vícios acabam sendo um componente idêntico à virtude no comportamento humano para o velho Chinaski.
                A cultura judaico-cristã, assim como outras em suas épocas e geografias, fez com que nós ocidentais desprezássemos o que é humano e natural. Sei que isso é um tormento para a maioria das pessoas. O controle social às vezes é tão asfixiante quanto fumaça, por isso insisto com quem converso: "leiam Bukowski".
                Evidentemente a decadência tem sua tragedia. Conheço bem o centro de Belo Horizonte. Conheço pessoas que moram e moraram ali. Conheço pessoas que vivem à margem, decadentes, quebrando-se sob o som do caos. Alcoólatras, drogaditos, garotas e garotos de programa, ladrões, muambeiros, travestis, todos sentindo o peso da cidade e dando a esta a mesma energia, de maneira inversa e proporcional. O fato é que o trágico faz parte do universo humano e o escritor sabe como narrar isso sem ter que apelar para uma saga de vampiros (nada contra, adoro vampiros). Os diálogos curtos atolados de desdém fascinam qualquer leitor. Creio que ele soube o que escrever porque soube o que viver. O grande velho safado sentiu a beleza da decadência e a encarnou no papel.

                Talvez minha predileção por ele seja devido a isso, como os gregos, mas de sua maneira, Charles Bukowski enxergava a beleza da tragedia na decadência.

sábado, 21 de junho de 2014

O caos gera novas realidades, revoluções não.

     Filipe Peçanha foi conduzido até uma Delegacia portando, em tese, um explosivo (carregador de bateria). Penso que um MacGyver poderia fazer de um carregador de mídia qualquer, um explosivo mortal, mas não é o caso de voltarmos décadas atrás com o seriado. Tudo se passa no aqui, no agora desse colapso que é compartilhar o planeta. Na verdade partilhar a Terra não é uma de nossas características mais nobres.
     Voltando ao episódio do Peçanha, o que percebo é uma clara demonstração do NINJA em provocar o policial e conseguir uma linda filmagem sensacionalista (estilo rede Globo). Todos estavam sendo revistados e nenhum policial tem como saber quem foi ou não revistado. A busca pessoal é para a segurança do todo, pois se um crime acontece o braço armado do Estado já falhou porque seu papel principal é prevenir, se antecipar ao evento crime.
     Evidente que o jornalista não deveria ter sido conduzido por ter consigo um carregador eletrônico, mas a alegação do policial certamente será de que ele não possui perícia para saber se aquilo era ou não um explosivo. Da mesma maneira que se faz no caso de apreensão de entorpecentes: "foi recolhido do cidadão qualificado a quantia de x invólucros de substância branca semelhante à cocaína." Assim, o provocador teve a resposta que queria do provocado. É Newton: ação e reação. Infelizmente uma reação, a meu ver, disparatada. Mas é essa a relação da sociedade civil com o Estado: um disparate.
     A suspeição é abstrata. Sempre será. Várias vezes fui abordado por policiais e não questionei o porquê. É o artigo 244 do Código de Processo Penal. A fundada suspeita é gerada pelo arcabouço pessoal do policial. Não deveria, mas não temos critérios mais objetivos na lei. O jornalista talvez devesse provocar o legislador, e não o aplicador.
     Os movimentos Fora do Eixo e Passe Livre, bem como a Mídia Ninja são uma sociedade civil que admiro, todavia essa vontade revolucionária me incomoda. O tempo das revoluções acabou. Talvez surtisse mais efeito se tivessem vontades de caos. O caos sim, gera novas realidades. Talvez Filipe fizesse bem em ter levado consigo dinamite!

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Justiça! (in)Justiça?

      Fabiane Maria de Jesus foi a última vítima/acusada/condenada da justiça que explode nas ruas. Existe uma sensação de que a justiça enquanto sistema de fatos típicos e suas penas esteja frágil, incapaz de cumprir seu papel no contrato social. Concomitantemente a isso existe uma forte vontade popular de liberdade, de poder ir, vir, voltar e fazer o que der na telha. Parece que o velho contrato hobbesiano está ruindo.
     Estamos no olho do furação. Todos querem mais segurança. Todos querem mais liberdade. Mais segurança mesmo que seja uma segurança privada e sem pactos. Mais liberdade mesmo que seja uma liberdade disparatada e sem empatia.
     Segurança se faz com pactos, com metas, com direitos e deveres. Segurança se faz através do Estado. Liberdade se cria em ambientes saudáveis onde a empatia e o bom senso (lado positivo do senso comum) sejam estimulados.
     No contrato social mais segurança produz menos liberdade e mais liberdade redunda em menos segurança. Talvez devêssemos rever nossos conceitos sociológicos e políticos. Talvez sejamos capazes de criar um novo modelo, já que este está falido. Sim, está falido. A falência se mostra em um Estado policialesco que se posta como inimigo da sociedade civil e em uma mobilização popular que não legitima o Estado de Direito na qual se insere. Nessa perspectiva penso que ambos erramos. O Estado deveria ser a extensão de seu povo. A sociedade civil deveria se sentir Estado. O que impossibilita isso? Tanta coisa. Poderia elencar várias: história golpista do país, sistema eleitoral (voto obrigatório), uma reforma política que nunca se faz, tráfico de influências nas casas legislativas, polícias militarizadas, códigos legais ultrapassados, uma política assistencialista que só conseguiu gerar renda e ainda não gerou competências em mais de doze anos de gestão... Enfim temos que repensar, sobretudo após os episódios de linchamento que o país viu nas telas dos veículos de comunicação. Temos que repensar acima de tudo nossos conceitos de segurança, liberdade e justiça.
     Que tipo de justiça se faz com as próprias mãos? Que tipo de justiça se faz pelo Estado? A ausência de segurança me dá licença para praticar a minha justiça? A liberdade me permite qualquer manuseio da (in)justiça?
     Em 1920 Ruy Barbosa, paraninfo da turma dos formandos da turma da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, falou algo que retumba em mim quase sempre: "Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desiguadade flagrante, e não igualdade real." Nessa bagunça que se faz segurança e liberdade no Brasil, não sei que modelo de (in)justiça desejamos, mas o princípio descrito na Oração aos Moços pode nos dar um norte e evitar que Dirceus tenham regalias na Papuda e Fabianes sejam condenadas sem o devido processo legal.  RJ          

quinta-feira, 27 de março de 2014

A certeza faz as pessoas marcharem e me dá medo

     Não quero julgar ninguém. Julgar é uma tarefa difícil e não quero fazê-la. Mas três pessoas me fizeram pensar muito essa semana: Paulo, ex-assassino de cristãos. Hitler, assassino de judeus, homossexuais, negros... E Paulo Malhães, coronel reformado do Exército Brasileiro e assassino de subversivos. Eles me fizeram perder o sono, algo que já é de praxe e só precisa de um ponta pé, pensando no benefício da dúvida.
     Não gosto das cartas de Paulo às primeiras comunidade cristãs. Elas me parecem distintas da liberdade espiritual que as biografias de Jesus narram. Então prefiro as quatro biografias do Messias cristão às epístolas paulinas. Todavia parece-me que dos três personagens citados acima apenas Paulo se permitiu o benefício da dúvida, parando de matar cristãos e agregrando-se à eles. Hitler, não assimilando que poderia estar errado em suas convicções tirou a própria vida, segundo consta nos livros de História e Paulo Malhães ainda hoje não se permite tal epifania e afirma que matar e torturar pessoas de "alta periculosidade" pode ser uma política de Estado.
     Tenho medo de encontrar pessoas como o Paulo, o coronel, neste século. Existindo pessoas como ele não temos grandes perspectivas sustentáveis. Não pretendo que todos pensem como eu. Mas gostaria muito que todos se permitissem o benefício da dúvida. A dúvida me dá a firme e contundente visão de que a minha certeza é apenas uma dentre tantas outras, e que ela é só minha. A dúvida de que poderiam existir religiões e deuses além dos de Israel, teriam evitado a morte de milhares de cristãos. A dúvida de que ciganos, negros, gays, judeus... não eram inferiores aos alemães, teria evitado a morte de aproximadamente 11 milhões de pessoas pertencentes a essas minorias, sem contar o número de mortos nos campos de batalhas da Segunda Guerra. 
     A dúvida poderia evitar que um homem de alta patente das Forças Armadas desse país continuasse pensando que torturar e matar pessoas que pensam diferente seja algo corriqueiro. Tempos difíceis! Tempos nos quais ainda marcham enquanto família, com deus e pela liberdade. Então me pergunto: que tipo de família? Que deus? Que espécie de liberdade?
     Olha, já fui católico, protestante, maçom, petista... Já estive em muitos lugares. Quando me permiti duvidar fui ficando vazio de muitos daqueles lugares. Percebi que quando minhas certezas se tornaram a certeza, eu acabei sendo menos gente. Menos humano. Passei a ter coragem de duvidar. Sim, para duvidar temos que ter coragem, afinal a certeza é um lugar quente e confortável. 
     Pergunto-me: e se eles tivessem se permitido o benefício da dúvida? E se a coragem não tivesse sido tardia em Paulo de Tarso? E se Hitler tivesse se sentado à mesa com um judeu para jantar e bater papo? E se Malhães se desse à dignidade do sentimentalismo e tivesse em algum momento daquela ditadura duvidado do que estava fazendo? Talvez três agonias tivessem sido evitadas. Talvez várias verdades se abraçassem. 
     Tenho medo de pessoas que não duvidam. Tenho medo de certezas absolutas, elas costumam acender fogueiras.


http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/videos/t/edicoes/v/coronel-reformado-confessa-ter-torturado-e-assassinado-presos-politicos-durante-a-ditadura/3239079/
                                                                                                RJ

segunda-feira, 17 de março de 2014

As pessoas continuam jogando papel no chão

     Sim, faz tempo que não escrevo neste pedaço de tela. Pelo menos aqui no blog. Tenho me dedicado aos contos e ao romance que talvez nunca saiam. Mas hoje decidi escrever aqui. Decidi escrever sobre meu cansaço. Fiquem tranquilos. Não é um desabafo. É apenas a ludicidade teimando mais uma vez em mim.
     O Brasil foi tomado por um turbilhão de acontecimentos, é verdade, todavia existe uma desinformação precedida de # (que só há alguns dias descobri o que significa graças a um amigo) me cansando. 
     Respeito a todos e às suas opiniões, mas me cansa a Raquel Sherazade com sua contundência de senso comum. Sim, o senso comum dela é um entojo. Cansa-me o joguinho tosco entre tucanos e lulistas. Sabem, estou cansado de manifestações, que em junho de 2013 me deixaram esperançoso. Um clássico entre Cruzeiro e Atlético reúne gente da mesma maneira. 
     Estou cansado do Beijinho no Ombro e do Lepo Lepo, não enquanto manifestação cultural de umas gentes, mas como um hino matutino. Já estou até cansado desse ano eleitoral. Acreditam que, como fui ativista político, já estão chegando emails e telefonemas de candidatos que nem conhecem as cartilhas de seus partidos? Cansa-me demais ver o Estado policialesco e a Sociedade Civil se degladeando. E essa nossa mídia? Maniqueísta e bipolar. Nossa! Como ela me cansa. 
     E assim vamos nós, alguns entram em um jogo qualquer dessa desinteligência toda. Outros nem sabem o que acontece. E ainda há os que se cansam. Culpados? Inocentes? Nada! O ser humano no máximo pode ser incoerente. Somos múltiplos, não é? Quero esse adjetivo para me justificar: sou múltiplo. 
     Desejo apenas que no meio de nossas incoerências nos encontremos e façamos algo pelo nosso canto de universo. Que apoiemos a contundência de Sherazade, ou não. Que saibamos votar em tucanos ou lulistas, ou mesmo que participemos de uma passeata qualquer cônscios daquilo que queremos, mesmo que seja a vitória de um time de futebol. Desejo que o Lepo Lepo não seja a música que me desperte para trabalhar e que os políticos parem de me ligar. Desejo que o Estado e a Sociedade Civil se sentem à mesma mesa e que a mídia não tente manipular, pelo menos a mim. Isso me irrita!  Desejo que todos se encontrem, dentro ou fora do jogo. Talvez até em um blog, apenas observando, de cansados que estão.
     Percebem como ainda, apesar de cansado, resta uma frágil esperança neste que aqui escreve? Frágil mesmo, porque com esse caldo engrossando de (des)informação e com toda a nossa incoerência humana para assimilar tudo isso as pessoas ainda jogam papel no chão. Ver as pessoas jogando lixo no chão: isso me cansa.

                                                                                                             RJ